Vidas Passadas
CRÍTICA
Uma das gratas surpresas da temporada de premiações, Vidas Passadas é a estreia cinematográfica da, até então, dramaturga teatral Celine Song. Sul-coreana naturalizada canadense, o filme é, em parte, uma autobiografia, inspirada nas experiências de Song, que se mudou com sua família aos doze anos de idade para o Canadá. A história segue Nora (Greta Lee), uma dramaturga coreano-canadense vivendo em Nova York, e Hae Sung (Teo Yoo), seu amor de infância e amigo na Coreia do Sul, cujas vidas tomam rumos diferentes após a imigração da família de Nora. Apesar da distância e do tempo, eles reacendem sua conexão décadas mais tarde, explorando o que poderia ter sido e o impacto duradouro de seus laços de infância em suas vidas adultas.
Com uma narrativa contemplativa sobre amor, escolhas, e a intersecção de caminhos que a vida oferece, Vidas Passadas é uma meditação sutil trazendo à tona reflexões acerca da memória e diáspora asiática com uma delicadeza que raramente se vê em estreias direcionais. O filme, que percorre um quarto de século e dois países distantes geográfica e culturalmente, é uma história de amor assimétrica disfarçada de romance mútuo, onde o passado e o presente se entrelaçam de maneira que desafia a linearidade do tempo, enquanto simultaneamente questiona as implicações de decisões feitas e caminhos não escolhidos. Song navega pelos territórios complexos do amor não consumado e da saudade cultural ao mesmo tempo que oferece um clássico filme de romance. A abordagem traz reminiscências de Antes do Pôr-do-Sol (2004) de Richard Linklater, repleta de melancolia que apenas uma narrativa estrangeira poderia transportar para o cinema.
A atuação de Greta Lee como Nora é sutil, mas particularmente notável, oferecendo uma profundidade e uma nitidez que vão além das tentativas do filme de alcançar um mero romantismo. Lee navega pela complexidade de sua personagem com uma graça que captura tanto a força quanto a vulnerabilidade de Nora. Da mesma forma, Teo Yoo entrega uma performance como Hae Sung que é ao mesmo tempo doce e trágica, encapsulando o anseio de um amor ingênuo que persiste apesar das probabilidades. É impossível não se apaixonar pela forma vulnerável que ele construiu Hae Sung. Completando o trio, John Magaro infunde Arthur com uma paciência e compreensão que sublinha a natureza séria da visita de Hae Sung como uma ameaça percebida ao seu casamento. A dinâmica entre os três é manejada com uma sensibilidade que evita clichês, explorando as complexidades do amor, da amizade e da lealdade de maneira que desafia as expectativas.
Visualmente, "Past Lives" é impressionante, com a cinematografia de Shabier Kirchner capturando tanto Seul quanto Nova York de maneiras que realçam a dicotomia central do filme: a tensão entre o lar deixado para trás e o lar construído. A escolha por uma paleta de cores acinzentada durante todo o filme só é quebrada quando os protagonistas sentam à frente de um brilhoso carrossel e, mais ao fim, quando conversam em um aconchegante balcão de um bar.
O filme sobressai na forma como equilibra os elementos autobiográficos com uma narrativa universal sobre amor e perda. Ao optar por uma estrutura não linear, Song convida o espectador a mergulhar nas complexidades das relações humanas, onde cada encontro e conversa ressoa com a profundidade de vidas passadas compartilhadas. Esta escolha narrativa não apenas enriquece a textura emocional do filme, mas também reflete a experiência da diáspora de maneira autêntica, capturando fielmente a sensação de estar entre dois mundos.
Vidas Passadas, ao meu ver, não foi apenas uma história sobre amor e perda; foi uma reflexão sobre como as escolhas que fazemos e os caminhos que seguimos definem quem nos tornamos. Celine Song, com sua habilidade única de contar histórias e sua visão perspicaz, marca sua estreia como uma voz distinta e promissora no cenário cinematográfico contemporâneo. Este filme, com sua abordagem que desafia as convenções, convida à introspecção, provocando reflexões sobre as várias vidas que habitamos e as infinitas possibilidades que ela nos oferece.


Vidas Passadas
20/02/2024 - Por Rafael Ribeiro (Revisado por Brenno Franca)
Direção
Celine Song
Elenco
Greta Lee, Teo Yoo, John Magaro, Won-Young Choi, Isaac Powell, Moon Seung-ah, Leem Seung-min
Roteiro
Celine Song
Ficha Técnica