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Todos Nós Desconhecidos

CRÍTICA

Brenno Franca

O novo drama de Andrew Haigh é poderoso o bastante para nos levar de volta à infância.

Algo raro aconteceu enquanto assistia a Todos Nós Desconhecidos. Eu acompanhava o filme com muita atenção, mas imediatamente já sentia vontade de escrever sobre ele. De dissecá-lo ponto a ponto. Descobrir porque aquele filme estava me afetando tanto. Geralmente, tomo isso como algo que me tira da experiência cinematográfica, mas tal qual Adam, interpretado com uma força contida e devastadora por Andrew Scott, eu precisava escrever para entender minha relação com esse filme. Aliás, cabe aqui notar como o diretor usa do cinema para esmiuçar relações em seus longas, como Weekend (2011) e 45 Anos (2015) e, agora em menor escala.

Adaptado por Andrew Haigh da obra de Taichi Yamada, o filme apresenta Adam como um roteirista que, após conhecer Harry (Paul Mescal), começa a ver seus falecidos pais. Fantasmagoricamente agridoce, é uma história que oscila entre a busca por aceitação e os estágios do luto.

Mas não somente.

O olhar do diretor para Adam e tudo à sua volta traz uma poesia melancólica, como no prédio em que mora, que está sempre vazio; ou nos close-ups em Scott, evidenciando cada sentimento transmitido pelo ator, com um sorriso tímido e os olhos banhados em tristeza. Entretanto, o brilhantismo do filme reside na força que ele revisita o passado, fazendo com que seu protagonista tenha que confrontar seus medos e seguir em frente. Ao tornar a história gay, Haigh leva Adam a mergulhar nos anos conturbados de sua descoberta homossexual juntamente à perda dos pais. O luto, então, revela-se como camadas e camadas de proteção que tem seu ônus: o isolamento.

Talvez essa seja a palavra-chave para uma história tão intimamente ligada à experiência de sair do armário. Então é esse a tal solidão que tanto dá medo, que tanto aflige, que tanto nos tira sem mesmo nos dar a chance de compreender o que, de fato, está acontecendo. Que nos acoberta sob o pretexto de um manto de proteção, mas que torna depressiva toda uma comunidade diversa. E tudo começa exatamente onde o filme toca: em casa. Não, os pais de Adam não foram violentos, nem sequer exatamente homofóbicos, mas no Reino Unido dos anos 80, com seu Thatcherismo violento e a crise da AIDS a surgir no horizonte, não era mesmo o ambiente mais ideal para ‘se assumir’. Mas… Nunca há tal ambiente, não é mesmo?

É impressionante como Haigh filma Adam, dando-lhe a importância que ele mesmo se negou a vida inteira. Momentos que vão desde esfregar as costas de Harry até os diálogos com sua mãe, interpretada por Claire Foy com sutileza e doçura no olhar de uma mãe que ama e teme pelo seu filho. É compreensível que Adam se agarre a todos esses momentos, querendo viver tardiamente todas as experiências que não teve. No auge dos seus 40 e poucos anos, agora tem medo de perder os pais novamente, medo de ter que voltar à sua realidade fria e crua, despida do calor humano que só o abraço de um pai pode proporcionar. Adam tem medo de ter que enfrentar o mundo e viver. E ter que bancar isso.

Sonhos são importantes na nossa concepção humana, nos mantêm vivos à certa distância com o peso onírico do impossível. Para nós, LGBTQIA+, eles têm uma importância ainda maior, que realmente beira o sobrenatural: precisamos deles para sobreviver à dura realidade de uma sociedade que nos resiste, machuca, dilacera, mata. Embora Haigh nunca trate dessas questões diretamente, esse é o cerne de nossa história enquanto minoria e um dos grandes motivos de isolamento, seja ele familiar ou social. É o que nos torna completos anônimos, fantasmas visíveis, para nossos pais, amigos, colegas de trabalho, para todos que tentam se aproximar.

Todos Nós Desconhecidos sequer tenta explicar suas causas, pois está muito mais interessado em observar as consequências em seu protagonista, que o guiam a um caminho que sempre evitou: lidar com seu luto enquanto abraça por completo sua sexualidade rumo a uma vida que não seja pautada pela solidão. Talvez seja por isso que me senti tão compelido a escrever sobre esse filme. Para questionar minha própria solidão perante às questões que ele apontava. Talvez tenhamos todos um pouco de Adam dentro de nós, ansiando por libertação, por desejo de amar e sermos amados. Compreendidos. Aceitos. E, infelizmente, em muitos casos, apenas o cinema pode proporcionar isso. Então, que as estrelas brilhem cada vez mais forte para Adam. E que sua jornada de renascimento atravesse todos nós.

Todos Nós Desconhecidos

25/01/2024 - Por Brenno Franca

Direção

Andrew Haigh

Elenco

Andrew Scott, Paul Mescal, Claire Foy, Jamie Bell, Carter John Grout, Ami Tredrea

Roteiro

Andrew Haigh, Taichi Yamada

Ficha Técnica

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