Retratos Fantasmas
CRÍTICA
Em seu novo longa, desta vez um documentário, Kleber Mendonça Filho parte do seu íntimo para falar sobre amor e cinema em Recife. O coração de Kleber pulsa em cada frame de Retratos Fantasmas, e não poderia ser diferente.
Esmiuçar nossas memórias é uma forma potente de compreender o passado e tentar vislumbrar um futuro, qualquer que seja. E ele parece entender isso, com sua narração sóbria, que mais parece estar confessando sua vida ao público. Assim, de um jeito igualmente potente, presenciamos intimamente as memórias de Kleber e sua casa enquanto fazia dela cenário de seus filmes, como O Som ao Redor (2012) e Aquarius (2016). O diretor fez do cinema a sua casa, e transformou sua casa em cinema.
Mas não era só a casa do diretor que se transformava durante o tempo. Recife - e o Brasil - também. Os cinemas de rua foram perdendo espaço e força para grandes centros de consumo como shoppings e afins. O capital nos deturpou a pensar que os filmes não eram suficientes, era preciso estar espremido entre lojas de sanduíches e departamentos de roupas. As marcas do tempo, então, tornam-se visíveis em todo lugar, seja no cinema que virou igreja, seja no que virou drogaria. E isso é algo tão inevitavelmente brasileiro que é difícil imaginar outro país que tenha tantas farmácias por cada esquina. Aqui, a ausência do cinema é sentida pela memória.
Ainda assim, o diretor faz o trabalho de resgatar e, de certa forma, homenagear a história desses lugares através de fotos, vídeos e até mesmo entrevistas de arquivo. Um dos momentos mais emblemáticos é quando Seu Alexandre, projecionista do Art Palácio, reclama de ter visto O Poderoso Chefão quase 400 vezes.
Se muita gente pensa que filme brasileiro é ruim, menos do que a máquina Hollywoodiana, que não vende, Kleber faz questão de provar o contrário e resgata os sucessos de bilheteria brasileiros, como A Dama da Lotação (Neville d’Almeida, 1978), um dos grandes recordistas da época. Serve para nos lembrar, mais uma vez, que o cinema brasileiro sempre teve seu espaço político e físico, e que hoje luta para ter o mesmo direito de exibição do enésimo filme da empresa do rato que ninguém lembra o nome depois de assistir.
O filme é um triunfo da memória que celebra o cinema como passado, presente, futuro. Vê nele suas infinitas possibilidades de fazer e ser, de contar e recontar. Nos fantasmas, temos resquícios do que um dia já foi, mas que estará para sempre num rolo de filme, eternizados pelo poder do cinema. Dizem que um país nunca pode se esquecer de sua história, e Kleber aqui faz um trabalho genuíno de relembrar que o cinema também faz parte disso.


Retratos Fantasmas
01/02/2024 - Por Brenno Franca
Direção
Kleber Mendonça Filho
Elenco
Kleber Mendonça Filho
Roteiro
Kleber Mendonça Filho
Ficha Técnica