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Propriedade

CRÍTICA

Brenno Franca

Teresa, interpretada por Malu Galli, tem um dilema que é relativamente comum, mas quase ninguém entende: a agorafobia. Causada por um trauma que é revelado já na primeira cena do filme, a doença é um dos pontos principais na construção de tensão pelo diretor Daniel Bandeira.

Propriedade apresenta, a todo momento, um contexto visual de dentro e fora que é marcante. O cachorro não pode ficar do lado de dentro. Teresa tem que correr, como se estivesse em fuga, para o próprio carro do marido. São momentos breves que vão construindo, aos poucos, a atmosfera claustrofóbica que se instaura no filme.

Ao sair da cidade grande e adentrar no rural, o longa volta no tempo para apresentar o outro lado da história. Os trabalhadores, encabeçados por Tonha (Zuleica Ferreira, excelente), ficam sabendo que serão expulsos da fazenda de que cuidam. Onde moram, comem, trabalham, vivem. E ainda assim, nunca conseguem pagar o que “devem” ao dono do mercado. Ou do dono da fazenda, marido de Teresa. É nesse clima, do choque de uma agorafóbica que tem medo de tudo o que vem de fora, e um grupo de trabalhadores há muito tempo escravizados que Propriedade revela seu principal mote.

É muito fácil querer resumir Propriedade ao seu cerne bom versus mau, certo versus errado, mas o suspense de Bandeira se sobressai em justamente jogar com isso. O escalonamento das situações que o diretor e roteirista propõe não permite que Teresa se transforme em uma vítima à lá O Massacre da Serra Elétrica (1974). Não podemos torcer irremediavelmente pela sua fuga porque seria moralmente errado torcer pela mulher branca de elite se salvando como uma mocinha, assim como também não podemos torcer cem por cento para os trabalhadores com seus métodos rústicos e, às vezes, crueis. A empatia inerentemente humana à situação escrava vai se dissipando ao longo do filme, mesmo que moralmente nos encontremos do lado certo. Nesses momentos, contudo, reside o maior perigo do filme: transformar os trabalhadores em animais, bestialidades que a personagem de Galli precisa lutar para sobreviver. Mas, honestamente, é assim que os próprios fazendeiros os viam. E eventualmente até os animais se rebelam.

Assim, Bandeira brinca com a luta de classes sem perder a mão do que a frontalidade do cinema pode oferecer: as consequências cada vez mais violentas das ações de ambos os lados. Se sentimos o terror de Teresa ou a dor da criança com a mão decepada é porque nenhum lado, enfim, se revela como merecedor - ou vencedor - dessa batalha.

Em um filme que se recusa a mostrar o lado certo de forma maniqueísta, Propriedade mostra que seu grande trunfo é justamente a complexidade da luta de classes. Ao deixar de explicar tudo exacerbadamente via diálogos, Bandeira traz um suspense que não se propõe a resolver nenhuma das questões colocadas, mas sim trazer o espectador para dentro delas. Teresa preferiu ser enterrada viva do que tentar enxergar o que se passava. Os trabalhadores abandonaram os últimos resquícios de uma humanidade roubada justamente para conseguirem ela de volta.

Propriedade

21/04/2024 - Por Brenno Franca

Direção

Daniel Bandeira

Elenco

Malu Galli, Zuleica Ferreira, Tavinho Teixeira, Smuel Santos, Ane Oliva, Edilson Silva

Roteiro

Daniel Bandeira

Ficha Técnica

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