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A Cor Púrpura

CRÍTICA

Brenno Franca

A Cor Púrpura

21/01/2024 - Por Brenno Franca

O filme de Blitz Bazawule anda na linha tênue entre a perda e o perdão.

A premissa de A Cor Púrpura não é simples, diria que até muito ambiciosa. Transformar um livro seminal que já foi adaptado para as telas por Steven Spielberg e gerou um musical de sucesso na Broadway não era tarefa fácil. Sua história de encontros e desencontros de Celie e Nettie, irmãs separadas na adolescência por causa de homens tão monstruosos quanto o filme permite, é recheada de momentos de violência, dor, perda, mas também de confronto e redenção.

Ainda vendida enquanto adolescente para o sagrado matrimônio, Celie cresce - pois sim, ainda era criança quando se casou - com o desejo de reencontrar sua irmã. Um sonho que é constantemente pisoteado por Mister (Colman Domingo), o marido nada feliz em ter se casado com a irmã errada. O diretor encontra formas eficazes de evidenciar instantaneamente o sofrimento de Celie. Ela não estava ali como criança, nem como esposa, nem como mulher. Passada de pai para marido, era apenas um objeto inanimado sem qualquer sinal de vida. Estava para ser usada sexualmente, servir na cozinha e obedecer de cabeça baixa.

É interessante como o filme vê nesses abusos uma hereditariedade da dor, que passa de pais para filhos e assim sucessivamente. Logo, não é surpresa quando Harpo (Corey Hawkins), filho de Mister, tenta domar sua esposa, sem sucesso. Já Celie, por inveja da liberdade de outra mulher que enfrenta o mundo, o incentiva a bater nela. Mister, por sua vez, bebe até perder os sentidos, inconformado com seu pai e a vida que nunca teve. O longa, apesar de entender que são atitudes erradas, trata os personagens com respeito - mesmo quando eles não merecem.

A vida de Celie começa a mudar quando conhece Sofia (Danielle Brooks, na melhor atuação do filme) e Shug Avery (Taraji P. Henson), as tais mulheres “soltas” da vida que nunca são bem vistas pela comunidade por serem simplesmente… vivas.

É nessa vivacidade contagiante de Sofia, que não aceita ser maltratada por Harpo ou homem nenhum, e Shug que teve a ousadia de ir atrás dos seus sonhos, que Celie sente o gosto da liberdade. Bazawule tem uma direção muito delicada para tratar o drama da história, ainda que ele soe, às vezes, excessivo. Toda vez que o filme pede que Celie se livre dessas amarras rumo à liberdade e ao amor próprio, ele acaba voltando atrás e a fazendo sofrer mais ainda. Essa repetição acaba por ficar cansativa algumas vezes.

Entretanto, há ainda espaços para descobertas sexuais, mesmo que mal exploradas, e da própria Celie. O mundo é grande demais para ela ficar presa às humilhações de Mister. E quando ela finalmente percebe isso, o filme chega perto de verdadeiramente brilhar. Mas por quê não o faz?

Percebe-se, não falei ainda dos números musicais do filme. E há um bom motivo para tal: eles simplesmente não funcionam. Barrino, Henson e Brooks têm grandes momentos nos roteiros que não se traduzem de modo criativo para a tela. Os números são pouco inspirados, dependendo exclusivamente da entrega dos atores, que dão tudo de si, mas não são ajudados pelos cenários mortos e iluminação automática. A fotografia também é, muitas vezes, apenas funcional. O diretor aparenta buscar por uma naturalidade nos momentos musicais, mas acaba por torná-los pouco inventivos. Bazawule brilha no drama, mas não sabe exprimir dessa dor o fantástico lúdico que o musical pode proporcionar visualmente. A catarse, então, nunca vem por meio da música, mas unicamente pelas fortes expressões faciais e corporais de Fantasia Barrino, que defende sua personagem com unhas e dentes.

Um ponto ainda mais preocupante que atravessa não somente A Cor Púrpura, mas parece ter se tornado algo recorrente em Hollywood é a vergonha de se assumir enquanto musical. Enquanto o drama com pitadas musicais de Blitz Bazawule apresenta seus números pouco inspirados, outros longas recentes como Wonka (Paul King, 2023) e Mean Girls (2023) buscaram esconder do público o máximo possível que eram musicais, principalmente no marketing. Isso reflete em musicais prejudicados por não poderem se libertar dessas amarras da arte ‘elevada’, em que nada além do drama é visto como suficiente, que vem acometendo o cinema como um todo.

Ainda assim, o filme percorre seu arco de dor, reencontro e o perdão cristão, que soa bonito e um tanto romantizado no filme. Não estou aqui querendo fazer juízo de valor e ética no longa, mas Celie não precisava ter perdoado tudo e todos - como parece ser o caso - em nome de uma tentativa de criação de comunidade. Às vezes, a filosofia de Sofia é a melhor a ser empregada: nem a pau.

Direção

Blitz Bazawule

Elenco

Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks, Colman Domingo, Corey Hawkins, Phylicia Pearl Mpasi, Halle Bailey, Ciara, H.E.R.

Roteiro

Marcus Gardley, Marsha Norman & Alice Walker

Ficha Técnica

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